
Miller: FC... psst... chega aqui
EU: boas Miller... que se passa?
Miller: é pá... ricos momentos que temos passado com a Gaja e a Marrie lá no café da rua de cima hã?...
EU: nem digas nada.... eh eh eh
Miller: que saudade FC... que saudade...
EU: acredito pá... bateste a bota vai para quê? 17 anos... não foi?
Miller: ... é verdade...
EU: pois... faz tempo pá... e para quem vivia a sexualidade como tu...
Miller: É indubitável que o sexo faz parte da vida... e o engraçado é que cada um de nós vive-o de forma distinta!
EU: sim... e tu viveste-o de forma intensa! Digo isto pelo que deixaste escrito...
Miller: Sim... mas como sabes muita gente não me recebeu bem... ou seja, até que ponto pode a verdade da vida, naquilo que se relaciona com o comportamento sexual, ser utilizado na literatura?
EU: Quanto a mim... simplesmente pode! O acto de escrita artística tudo pode... é acto criativo e como tal tudo pode
Miller: muitas alturas houve em que tive dúvidas sabes...
EU: como assim? se deverias ou não escrever sobre sexo?
Miller: mais ou menos... o que quero dizer é o seguinte: o problema talvez não seja se o sexo pode ser ou não utilizado em literatura, mas antes na maneira como ele é apresentado
EU: Sim... eu até costumo usar uma expressão que não sei a quem pertence mas que diz algo como: "não é tanto o que dizes mas como o dizes que é importante"...
Miller: nem mais... o que nos leva de imediato a outra questão: A maneira certa será a do moralista, a do censor, a do polícia? Ou ainda o Estado, por intermédio dos seus legisladores, o árbitro em última instância sobre o que está certo e errado, o que é bom ou mau em matéria de arte?
EU: Impedimentos castrantes existem vários... mas quanto a mim, e nos dias que correm, o que mais me envergonha é o falso moralismo... a classificação de "má" arte a que está relacionada com sexo
Miller: Sabes qual era o argumento que os doutos guardiões morais usavam comigo?.... eles diziam que o acesso a literatura proibida como a minha foi, pode levar as pessoas a comportatem-se como animais...! Mas pensar assim é insultar o reino animal. E transformar a paixão, o maior atributo do homem, numa caricatura...
EU: Concordo plenamente contigo... a paixão é de facto o que nos move... e haverá motor de paixão mais forte do que a sexualidade?... de igual força posso ver vários, mas de força maior não encontro.
Miller: É esta consciência da nossa natureza múltipla que nos faz seres tão completos, tão... humanos
Eu: Sentir a Vida dentro de nós... a pulsar, a vibrar... é de facto indiscritivel!
Miller: Sabes que tenho notado que entre os autores "obscenos" o que os caracteriza e aproxima é precisamente o facto de serem homens que amam a verdade, a mais pura verdade...
EU: por isso mesmo é tão exasperante quando temos falsos moralistas a denegrir quem escreve sobre sexo, escrever sobre sexo é escrever sobre e com paixão!
Miller: O autor "obsceno" serve-se da sua condenável linguagem "licensiosa" para revelar a perversidade do nosso comportamento... as suas verdades chocam porque a verdade anda sempre nua...
EU: porra... odeio essa hipocrisia de merda! Sabes que quando digo a conhecidos que escrevo sobre estas nossas conversas e coisas afins... perguntam-me: "e não tens receio? não tens medo que saibam que és tu?"... dasss! Medo? do quê!!??
Miller: A falsidade e a hipocrisia são uma provocação para os homens honestos, levando-os a usar uma linguagem explosiva, chocante mesmo. Mas aqueles para quem a verdade é bemvinda e que acreditam na vida, não encontram nessa linguagem nada de repugnante.
EU: É um absurdo... erotismo sempre existiu, sempre esteve presente na arte... desde a literatura, à escultura, etc
Miller: sim, mas sabias que a chamada literatura obscena é a forma literaria mais resistente?
EU: A sério? como assim?
Miller: Sim... não há duvidas sobre isto, ela existe desde os tempos mais remotos e persiste, sem proteccionismos, sem fazer alaridos... Só uma outra categoria literária é presuvimente tão duradoura como ela: a ocultista...
EU: olha... nunca tinha pensado nisso
Miller: e no entanto a hipocrisia é tal que para se escrever sobre sexo... é um suplicio! A não ser que seja um médico a descrever funções reprodutras, ou um psicólogo a descrever psicopatias sexuais, ou um antropólogo sobre costumes sexuais dos povos primitivos...
EU: é isso mesmo... nunca tinha visto a coisa dessa forma... falar de paixão com paixão é imoral! arre que ignorância... e o pior é quem muitas destas bocas moralistas até nem são ignorantes, pois a esses perdoamos... o que é imperdoável é a recorrência no erro... isso já revela estupidez atávica!
Miller: o escritor que gostaria de descrever completa e livremente a vida à sua volta, está proibido de falar...
EU: sim... amordaçado por impedimentos moralmente falsos...
Miller: no entanto ele é o único que é verdadeiramente imparcial, de espírito livre, que vê a vida na sua totalidade e pode, por isso ser honesto, autêntico, alegre e em última análise... terapêutico.
EU: é libertador de facto...
Miller: Ah, a palavra "Moral"! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram cometidos em seu nome... e envergonho-me...
EU: Faria tão bem a tanta gente ler-te Miller... tão bem... como tu já disses-te uma vez... esses "seres emocionalmente aleijados"!
Miller: Se eu tivesse a certeza de me estar a dirigir a homens que crêem no poder da verdade, diria: "Ponham à prova a minha obra! Permitam que seja lida abertamente, livremente, em toda a parte, por todas as categorias de homens e mulheres. Permitam que sejam eles os meus juízes!"
EU: farei a minha parte Miller...