segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Diálogo com Janus


Eu: Caríssimo... como estás?
Janus: Um pouco atarefado... e tu Mercúrio?
Eu: Estou bem... estou bem... atarefado também, muita decisão no ar... sabes como é.
Janus: Se sei... chegámos aquele momento mágico do ano... onde andamos a servir quem nos serviu durante o ano.
Eu: Achas que os gajos (os humanos) percebem isso?
Janus: Não sei... sinceramente não sei... acho que ás vezes já nem os percebo.
Eu: É verdade... há lá bicho mais estranho... passam todo o ano a olhar para o umbigo e no dia em que o deviam mesmo fazer... passa-lhes ao lado.
Janus: Eu tento... não podem dizer que não lhes crio um momento propício para o fazer! Só têm que olhar para dentro deles num breve instante cósmico, em que todos nos alinhamos, para que as suas decisões tomem verdadeira forma nos seus espíritos.
Eu: É verdade caro colega... Andamos aqui nós a preparar vias de comunicação directa com os tipos e eles não aproveitam.
Janus: É como dizem os mais velhos pá... os tipos lá dentro até são como nós mas primeiro que o vejam... arre.
Eu: Deixa lá... também não são todos assim, muitos há que de facto percebem este momento mágico e se alinham conosco, olha... eu tenho conhecido alguns.
Janus: Sim Mercúrio... eis uma verdade que tenho notado, os tipos estão a ficar cada vez mais (d)espertos...
Eu: Bom... vamos lá ao trabalho que isto agora vai começar a aquecer... venham de lá essas promessas!
Janus: Vamos ver... vamos ver, eu acredito.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O telefone




É meio-dia... já não chove mas o húmido cheiro paira no ar.

Toca o telefone e aparece aquele nome... aquele nome que te faz esquecer em que direcção ias, o que ias fazer e porque o ias fazer...

Atendo? O que digo?

- Estou, quem fala...? - dada a eternidade desde a última vez que ouvira a sua voz foi o que quis dizer-lhe...

- Sou eu...

- Eu quem...? Insisto na mensagem

- Já não me conheces...? Que pena... então adeus

Pronto, tão fácil que é desarmar-me... - espera... olá

Esta mulher mexe comigo... e sabe-o, pensei

-Liguei-te porque te queria convidar para almoçar...

De repente o meu peito dispara... maldito almoço de empresa! Porque raio tinha que ser hoje...

- Pena...

- Espera... onde?

- Podes vir ter comigo agora?

- Estou a caminho...

A cidade quando é atravessada desta forma parece um deserto de betão, os sons aparecem ao longe, os passos parecem um bater de asas até chegar á sua porta...

Ela recebe-me á porta... já lhe sinto o cheiro, o sabor dos seus lábios sem nunca lhos ter tocado... nunca vi um sorriso assim - um Universo inteiro em forma de pele vermelha, um olhar meigo e ao mesmo tempo de puro arsénico... um veneno enebriante e viciante, em que sei que não posso mergulhar de uma só vez, pois fazê-lo implica uma morte para a vontade própria.

Esta mulher mexe comigo, e sabe-o.

Diz-me para entrar sem dizer uma palavra...

Toco-lhe o rosto enquanto lhe beijo a face... tento disfarçar para que não oiça os cavalos selvagens que trago no peito... num galope desenfreado em sua direcção... ela olha para o chão, a sorrir... com o braço atrás das minhas costas fecha a porta, os corpos aproximam-se por razão de ser assim... desta vez não vou fazer o que manda a razão... a porta ao fechar atrás de mim dissipa-me o medo de mergulhar nela... levanto-lhe o olhar para o fixar no meu, aquele corredor apertado faz o resto... sinto o corpo dela colado no meu numa fracção de segundo, seguro-a pela cintura e colo-a de facto, ela sorri, os seus olhos dizem-me que sim...

Encosto o rosto ao dela, inalo a essência de mulher... aquela essência que mexe comigo. Acaricio-lhe a pele, sinto-lhe a cintura com a outra mão, aperto-a contra mim, saboreio-lhe o pescoço, encosto os lábios ao ouvido para lhe dizer em silêncio que é o alvo de todo o meu desejo... que não aguento mais um só dia sem a ter, sem lhe sentir os lábios e o calor da sua lingua... ela deixa escapar um tremor de corpo enquanto lhe percorro as costas com a minha mão, colando-lhe o peito ao meu... olho-a nos olhos agora e sonho em tomar-lhe os lábios quando lhe digo...

- Não posso ir almoçar contigo...

E desligamos o telefone.

Não foi, mas podia ter sido assim...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007


Ocasos a mais no
Lugar de auroras
Hoje não é o ontem nem tão pouco o
Amanhã
Mas dizemos a quem nos
Ouve, sempe que estamos em
Silêncio

Eu sei quem sou
Mas não sei o que quero

Vociferamos inteiros
Odes internas
Luxuosas mentiras
Turtosos caminhos que não vemos hoje
Amanhã talvez

Enfim, é nossa condição

Não seria quem sou
Ainda que não saiba o que isso é
Ontem ou amanhã, não interessa

Quimeras procuramos
Umas atrás das outras
Enredos complicados
Rupturas com o passado
Enfim,
Mentimo-nos
Ou talvez não, talvez
Só queiramos não ficar sóbrios

Viver a fingir
Entre ontens e amanhãs
Recusando crescer

Sonhar só a dormir
Enfim,
Refinamos desta forma a
Arte de achar que vivemos

Mas ás vezes,
Entre o sonho e a realidade
Daqueles enganadores momentos
Oníricos que sejam

Damo-nos conta
Enfim,

Soberbos momentos
Onde despertamos do turpor
Rasgamos mentiras
Rompemos barreiras
Iniciamos enfim o
Regresso a nós

domingo, 2 de dezembro de 2007

Pensar é estar doente dos olhos...

O seu a seu dono: Foto de Palinchak Mikhail

Miller: ...olha quem está aqui, não dizias nada?

Eu: Boas Miller... estava só... olha... sei lá... estava para aqui a fumar um cigarrito e a pensar...

Miller: mmm... pensar... em quê? Já lá dizia o vosso Caeiro, "Pensar é estar doente dos olhos"

Eu: Talvez tenhas razão... se um gajo se põe a pensar muito nisto ainda se mete onde não deve...

Miller: ui... espera... anda aí sumo... conta lá pá, que passa hombre?


Eu: (puxando o fumo do cigarro com fé)... eh pá... anda aí uma especimen a dar-me cabo do miolo, acho...

Miller: a dar-te cabo do miolo? como assim? explica-te...

Eu: sabes... há mulheres que tu encontras uma ou duas vezes na vida e dizes para ti mesmo... "com esta tenho que ter cuidados redobrados..." conheces a sensação?

Miller: ...não posso dizer que não...

Eu: pois... aquele tipo de mulher que se senta á tua frente e que num milésimo de segundo, no decorrer de uma simples conversa... apenas com um olhar, assim daqueles pseudo-inocentes... te arranca do lugar e te faz dar trinta mil voltas sobre ti mesmo? Em que numa fracção de segundo te vês a falar numa lingua desaparecida a tentar desesperadamente fazer algum sentido sem teres puto de ideia do que é que estavas a falar ainda no instante anterior...

Miller: sei...

Eu: ...instantes que duram eternidades, que não queres que acabem... em que fazes tudo para manter aqueles olhos dentro dos teus, mas que sabes, sentes, tens a certeza aliás... de que te encontras na beira de um abismo, de um saboroso abismo...

Miller: ...pois... e normalmente é daqueles que quando cais até nem dói nada...

Eu: sim, mas que quando te levantas depois do torpor... sentes que os movimentos são dolorosos, não são teus, não os comandas...

Miller: ...o desejo do salto...

Eu: ...daqueles em que tu já sabes o que vai acontecer. Sabes que vais saltar, em que a luta até nem existe, aquela luta de verdade, aquela em que de facto sentes que estás entre duas escolhas... naqueles casos em que dizes para ti mesmo que estás dividido apenas para auto-justificar a cobardia de não saltares de imediato...

Miller: ...numa palavra... estás tramado!

Eu: pois... o problema é esse. Acho que até nem estou... terei secado Miller?

Miller: Secaste?

Eu: ...não sei... vou fumar outro cigarro e continuar doente dos olhos, acompanhas-me?

Miller: tens lume?